sexta-feira, maio 18, 2007

A VALORIZAÇÃO DO REAL

17 de maio de 2007 – transcrito do original postado no Diego Casagrande


por Rodrigo Constantino



“Sometimes, by examining too many trees, one loses sight of the forest.” (Martin Zweig)


O dólar rompeu o patamar psicológico de R$ 2,00 e ninguém sabe dizer onde ele vai parar. Alguns falavam em R$ 1,85 – o que parecia distante demais – e já estamos quase lá. No debate sobre o assunto, surgem muitas opiniões divergentes, mas poucos realmente analisam com calma o quadro geral. A visão míope faz com que muitos foquem somente na árvore, e ignorem a floresta. Não é razoável observar o que ocorre no Brasil sem levar em conta o que se passa no resto do mundo. O país não é uma ilha isolada, e o fenômeno em questão é sem dúvida mundial.


Comecemos levantando alguns dados para análise. Nos últimos 12 meses, o peso colombiano, por exemplo, se valorizou 21% em relação ao dólar. O dólar da Nova Zelândia subiu 16,9% no mesmo período, o koruna da Eslováquia subiu 16,8%, o baht tailandês valorizou 13,4%, o shekel israelense subiu 12,9%, o peso de Filipinas subiu 11,8%, o rupee da Índia valorizou 11,6%, o krona da Islândia subiu 11,6% e o guarani paraguaio valorizou 11%. O nosso real se valorizou cerca de 9% nos últimos 12 meses. Alguém ainda acha que a força da nossa moeda tem uma explicação isolada do que ocorre no mundo? Ou está mais claro que se trata de um fenômeno mundial, no qual as moedas emergentes estão se valorizando em relação ao dólar americano?


Os motivos para tal fenômeno são vastos. Entre as principais causas, eu destacaria a globalização finalmente abraçada pelos países emergentes, a revolução financeira e tecnológica, e a entrada da China e Índia no mundo capitalista. Há anos que o comércio mundial cresce bem acima da economia mundial. As nações estão trocando mais bens e serviços entre si, e isso é algo fantástico, pois cada um pode focar melhor em suas vantagens comparativas e obter mais barato dos demais aquilo que demanda. A enxurrada de produtos chineses no mundo tem essa explicação. Em trocas voluntárias entre indivíduos, ambos se beneficiam. O mesmo vale entre indivíduos e empresas de diferentes nações. Aumentando o escopo do ambiente de concorrência, há uma busca maior por eficiência, a produtividade tende a aumentar muito. Junte-se a isso a revolução tecnológica e financeira mais recente, e temos as principais causas desse “céu de brigadeiro” que tem dominado a cena nos últimos anos. Os países emergentes aprenderam muitas lições nos últimos anos. O foco aqui não é tratar das causas dessa bonança mundial, o que faria necessário um outro artigo inteiro. O objetivo é apenas mostrar que existe esse fenômeno, e que ele é mundial. O Brasil vai de carona, a despeito da ausência de reformas mais estruturais e necessárias. Poderia estar, sem dúvida, voando num patamar bem mais elevado!


O caso das reservas cambiais reforça essa tese de fenômeno mundial. Muitos falam do “excesso” de reservas acumuladas pelo Banco Central brasileiro, que já passam dos US$ 100 bilhões. Mas seria esse um caso particular do Brasil? A China, por exemplo, já possui mais de US$ 1,2 trilhão de reservas. A Rússia está chegando perto dos US$ 400 bilhões, Taiwan tem mais de US$ 270 bilhões, Coréia cerca de US$ 250 bilhões e Índia algo como US$ 200 bilhões. Cingapura, um país com cerca de 5 milhões de habitantes, possui algo em torno de US$ 140 bilhões em reservas. Em relação ao PIB, o Brasil tem pouco mais de 10% de reservas, contra 38% da Rússia e 47% da China. Será que é tanto assim mesmo? Será que é algo que tem ligação apenas com uma estratégia do nosso Banco Central? Uma vez mais, estamos vendo um fenômeno global, uma enorme quantidade de dinheiro buscando desenfreadamente alternativas de investimentos. Se existe um pouco mais de retorno esperado, mesmo com mais risco, vem uma chuva de capital. E o risco percebido vem sistematicamente caindo.


O “risco país”, que é medido pelo EMBI calculado pelo JPMorgan, tem experimentado quedas drásticas em todo mundo emergente. Não há mais gordura! Os bonds do governo brasileiro pagam atualmente apenas 148 pontos base acima do título do governo americano. Em outras palavras, o investidor recebe a mais somente 1,5% ao ano, aproximadamente, para assumir o risco do governo brasileiro em vez do americano. Mas novamente, não é um caso isolado do Brasil, tampouco mérito do governo Lula. A média geral dos mercados emergentes é de 158 pontos base, e isso inclui Argentina. A Turquia, por exemplo, paga apenas 153 pontos base acima do título americano, e o país está longe de ser um exemplo de solidez e credibilidade. Não resta dúvida de que algo estrutural e muito forte está acontecendo, e os fundamentos de fato mudaram, ficando mais sólidos no mundo todo. Mas parece haver excessos, e os investidores podem estar chamando urubu de “meu loiro”. Não há como saber se isso vai acabar mal ou não, e em qual prazo uma correção mais séria deverá ocorrer. Sabe-se apenas que os mais cautelosos ou pessimistas estão deixando de surfar uma onda gigantesca.


A bolsa do Peru, por exemplo, subiu quase 200% em dólares nos últimos 12 meses. A bolsa da Croácia subiu 115% no mesmo período, e a do Vietnã subiu 80%. O Ibovespa se valorizou pouco mais de 40% no mesmo período, em dólares. Um grande bull market contagiando o mundo todo! Os “animal spirits” de que falava Keynes parecem estar à solta, mas é importante frisar que há fatos concretos que justificam um otimismo geral. Se no caminho alguns vão se machucar, pagando caro ou entrando numa hora ruim, é impossível dizer agora. Os mercados financeiros não andam pari passu com os fundamentos da economia, pois são máquinas de antecipação dos eventos futuros esperados. Nem mesmo dá para afirmar por quanto tempo mais esses fundamentos vão valer.


Não é o objetivo aqui prever a direção dos ativos financeiros. Basta constatar que o mundo vive um momento único, raro e fantástico. E é nesse contexto que o dólar furou o nível dos dois reais. Chega a ser irresponsável falar nesse tema sem mencionar o cenário global. Alguns empresários aproveitam logo para pedir intervenção estatal – mais ainda! Em nome da “proteção da indústria nacional”, querem uma atuação ainda mais ativa do Banco Central, impedindo a valorização do real. Mas o câmbio não passa de um preço, um importante preço. Deve, portanto, ser livremente definido pelo encontro da oferta e demanda. Somente assim estará transmitindo corretamente todos os fundamentos existentes na economia, possibilitando uma tomada de decisão racional por parte dos diferentes agentes. Não é interessante tentar manipular artificialmente o câmbio. Não é possível segurar uma manada. Mais inteligente é se adaptar à nova realidade do mundo, sem medo das importações e da competição global. Se importar fosse ruim, os Estados Unidos seriam o país mais miserável do mundo. Que os empresários briguem pelas reformas estruturais necessárias para aumento da nossa competitividade, não pelo controle cambial! Não há motivo – nem instrumento adequado – para barrar a valorização do real. Trata-se de um fenômeno global.


PS: A esquerda nacional está ficando sem bodes expiatórios. O FMI já foi embora, a dívida externa está quase acabando e até os juros estão migrando para o patamar de um dígito apenas. Em breve, terão que reconhecer que é o Estado inchado a verdadeira causa dos nossos males. Se bem que não é adequado subestimar a criatividade dos esquerdistas em criar fantasmas...