terça-feira, abril 24, 2007

Comunicação estatal

Esse blog acredita o Estado contemporâneo deve cada vez mais distanciar-se do operacional que pode ser conduzido muito melhor pela iniciativa privada. Acredita também que o Estado deve manter-se nas atividades de fiscalização das ações privadas e nas de indução das práticas democráticas que ampliem o bem estar da sociedade em todos os aspectos. Evidentemente, a ação direta do Estado em áreas como educação, saúde e segurança ainda é aceitável, mas merecedora de investigações científicas que demonstrem que de fato o Estado pode executar melhor o operacional nesses segmentos.


Bem, hoje o assunto é a entrevista do Franklin Martins ao programa Roda Viva no dia 23 de abril de 2007, devidamente comentado pelo jornalista Reinaldo Azevedo, no seu blog, de onde copiei o trancrito a seguir.

Para ler no original clique aqui.


Assisti ontem ao programa Roda Viva, com o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins. O primeiro bloco foi, como direi?, matador. A síntese da entrevista foi dada pelo cartunista Paulo Caruso: um desenho do ministro em que este dizia: “O estado de direito c’est moi”. Na mosca. O Luiz 14 da mídia conseguiu sintetizar, logo no primeiro bloco, conteúdo e estilo, e tratarei disso nos parágrafos abaixo. O que me interessa de cara? Martins confessou, como suspeitávamos todos, que ele sabia, no dia 16, que Diogo Mainardi e a Abril seriam condenados no dia 17. Quem o levou a dar essa resposta foi Márcio Aith, editor-executivo de Veja, numa atuação cirúrgia e serena. “É claro que eu sabia. Fui avisado pelo meu advogado”. Advogado e irmão. Agora está claro: Kennedy Alencar sabia; o assessor Nelson Breve sabia. E, acima de tudo, Franklin sabia. Sou tentado a achar que está revelada a fonte a quem o jornalista da Folha se disse grato. O programa mostrou mais: o governo Lula parece disposto a um trabalho de cooptação da mídia — tentando, talvez, isolar os veículos (ou veículo) que considere indesejáveis (ou indesejável). Mas vamos ao caso Diogo. Depois volto aqui.

O ESTADO C’EST MOI

Curioso. Franklin, esquerdista confesso, ex-militante do MR-8, homem corajoso, que até já seqüestrou embaixador, parece ter um medo fetichista das palavras. Em seu discurso, a Veja se tornou “a revista”; Diogo, se não me engano, “o colunista”. Forneceu os seus motivos para o processo, afirmando que o juiz lhe deu razão — se vocês lerem a sentença, nem isso dá para afirmar — e evocou, vejam que coisa, o estado de direito. Aí Aith interveio e quis saber como ficava o estado de direito num processo em que uma das partes sabe da sentença com antecedência, antes mesmo que a defesa seja anexada aos autos. E fez a pergunta:
— O sr. sabia desde o dia 16?
— Claro que sim.
— E como fica o estado de direito nesse caso?

Revelou-se, então, o Franklin de carnavais passados — quando não pesava sobre ele a suspeita de que fosse um democrata — e, quem sabe?, de futuros carnavais. Cortou o debate. “Olha aqui, não vou entrar neste assunto”. Se houvesse uma mesa à sua frente, teria dado um murro. O ministro que já havia feito a defesa da democracia, da transparência da mídia, da pluralidade, não discutia “esse assunto”. Que assunto? Ter ficado sabendo com antecedência o conteúdo de uma sentença que ainda seria pronunciada.

O ministro que estava no centro do Roda Viva endossou a versão de Kennedy Alencar de que haveria uma sentença na Internet — é aquela, sabem?, achada no dia 16, com data do dia 3, igual à do dia 17, que faz alusão a documento do dia 10... Santo Deus! Como assistir depois com seriedade ao resto do programa? Ele estava ali para falar de transparência. O Brasil é um manifesto surrealista. Mas fui até o fim.

DIREITO DE OFENSA

Aith, é bom ressaltar, já havia feito uma questão ao ministro e, suspeito, talvez nem tocasse no assunto da sentença. Mas Augusto Nunes, do JB, fez uma grande pergunta a Franklin: lembrou que ele processara Diogo e que o agora ministro Mangabeira Unger, há pouco mais de um ano, chamara o governo Lula de “o mais corrupto da história”, entre outros mimos. Se Franklin fosse presidente, quis saber Nunes, levaria Unger para os tribunais ou para o ministério? Ele não respondeu. Disse que não era Lula. Foi nesse ponto que evocou o estado de direito.

Entendi que, no estado de direito de Franklin, é legítimo que uma parte do processo saiba antes do conteúdo de uma sentença — antes mesmo que a defesa seja anexada aos autos. E, “se a revista não gostou”, que recorra. No estado de direito de Franklin, democracia se resume ao direito de recorrer. No estado de direito de Franklin, a ordem dos fatos é apenas uma verdade que não deve ser contabilizada. Mais adiante, vocês verão, ele se disse de esquerda porque é um homem preocupado com injustiças...

Franklin costuma dizer que a Veja não lhe deu “direito de resposta”. Ocorre que o agora ministro mandou uma carta à revista em que brindava Diogo com delicadezas como: “difamador, leviano, anão de jardim, doidivanas, bufão, caluniador, tolo enfatuado, bobo da corte”. Era o seu exemplo de moderação. Ele recorreu à Justiça para ter o texto publicado. E perdeu o processo — cujo resultado Kennedy não antecipou nem noticiou.

O ESTILO É O HOMEM

Franklin insistiu muito que a relação do governo com a imprensa já melhorou. Ninguém acha isso. Só ele. É, mais uma vez, o modo Lula em ação. Diga que algo que precisa acontecer já aconteceu.

A relação continua péssima, e ele não será um bom professor. Ao longo do programa, mais de uma vez, comportou-se como se ainda fosse o comentarista da Globo. Era alguém com traquejo em televisão. Quem puxasse um pouco pela memória haveria de se lembrar do comentarista que se comportava como ministro. E, acredito, por isso foi demitido. Na relação com os jornalistas, quis ser o maestro: “Espera um momentinho aí”; “deixa eu terminar”; “primeiro uma pergunta, depois outra”. Olímpico. Senhorial. Altivo. Tentava intimidar.

OS DESDENTADOS VÃO PAGAR

Aith fez outra excelente questão a Franklin. Ele já fora comentarista do principal jornal da principal emissora do país: deixou de falar alguma coisa porque estava numa TV comercial ou falou algo que não diria numa TV pública? A resposta. “Não”. Bem, e por que TV pública? Aí o homem reclamou de que dispunha de pouco tempo (o que era sorte dele, como veremos) e citou um exemplo de assunto que merecerá mais espaço na sua TV pública: um debate sobre etanol, por exemplo.

Entendi. As TVs ditas comerciais também se preocupam com audiência. Eu acredito que o Jornal Nacional, quando Franklin estava lá, não teria visto problema em lhe dar dez minutos se os telespectadores não saíssem correndo em busca de alternativas. Como, felizmente, elas dependem de audiência, sim, para ter faturamento e conseguir o pão que alimenta o divertimento, então ele tinha menos tempo. Na TV pública, parece, teremos aqueles interessantes e solenes debates de duas horas sobre o etanol. Os desdentados pagarão caro para o PT fazer proselitismo. Só uma coisa me consola: ninguém vai ver.

A FARSA DA TV PÚBLICA

O ministro negou, mais de uma vez, que a TV será estatal. Será pública — embora o dinheiro que vá financiá-la seja, sim, estatal. E quem vai mandar lá? A TV vai cobrir mensalão, dossiê e coisas semelhantes, que não agradem ao governo?, quis saber Eleonora de Lucena, da Folha. Franklin veio, então, com uma cantilena que não é só dele: a gestão da TV não será do estado. E será, então, de quem?

Ah, de entidades da sociedade civil — uma fundação ou coisa parecida. Como ele disse, o modelo de gestão não está definido. Eis o grande truque: essa TV será financiada ou com verba do Orçamento ou com publicidade das estatais — talvez as duas coisas. Quem tem representação social para integrar o comando de algo financiado com o dinheiro do conjunto dos brasileiros? Anotem, tirem cópia, para cobrar depois: será mais um aparelho do PT e das esquerdas, que o ministro encarna tão bem, que se pretenderá imune à eventual troca de governos. Digamos que Lula realmente deixe o poder em 2010 e que um representante da agora oposição o suceda: este novo presidente continuará obrigado a dar dinheiro para a TV Pública, que vai lhe fazer oposição. Oposição partidária.

IMPRENSA CONTAMINADA, FRANKLIN PURO

Franklin acha que a imprensa se contaminou — só a que criticou Lula, é claro. Mas, assegura, está em curso um processo de descontaminação, determinado pelo eleitor. Como o presidente foi reeleito, isso correspondeu a uma censura ao jornalismo que se fez no Brasil.

Trata-se de uma mistificação. A relação de amor da imprensa com Lula sofreu um primeiro abalo com o caso Waldomiro Diniz. Mas logo se refez. O que o ministro chama de contaminação foi a cobertura, no mais das vezes correta, que jornais e revistas fizeram da crise do mensalão. Franklin queria o quê? Que todos os seus colegas fossem “descontaminados”, a exemplo dele, um puro? Justiça seja feita: não é de hoje que ele fala o que Lula quer ouvir. Estava entre os poucos jornalistas que tinham coragem de negar a existência do mensalão.

Franklin nada mais faz do que vocalizar, com outras palavras, a tese do suposto golpismo da imprensa contra Lula. Mentira! Mistificação! Querem um exemplo? Antonio Palocci conseguiu passar quase incólume até pela Mansão dos Prazeres de Brasília. Só caiu quando sobreveio a farsa do caso Francenildo Pareira. Mesmo nos piores momentos do mensalão, o jornalismo procurou preservar o que se considerava a responsabilidade macroeconômica do governo Lula.

Contaminação? A que ele se refere? À mala de dinheiro que comprou o PTB? À mala de dinheiro que comprou o PL? À atuação de Marcos Valério? Aos recursos não-contabilizados de Delúbio Soares? Ao dossiê fajuto que tentou dar um golpe nas eleições em São Paulo? À emissora de TV “arrendada” por Lulinha? Aliás, é notável que o presidente da "TV Pública" seja aquele cujo filho se deu tão bem na TV privada...

ENTRE OS SEUS

Franklin Martins se revelou inteiro quando indagado se aceitaria ser ministro de FHC. E ele então disse: “Do primeiro mandato, sim; do segundo, não”. Notável! Huuummm. O segundo mandato de FHC, tudo indica, lhe pareceu abaixo de suas exigências. Já o primeiro de Lula lhe serviu de incentivo e inspiração para encarar desafios. Escolha é escolha. Gosto é gosto. Boi preto conhece boi preto.

AMIGO DA ÁFRICA

Já sabemos onde Franklin vai gastar parte do nosso dinheiro. Afirmando que o Brasil tem 30% de descendentes africanos (de onde ele tirou esse número? Os negros são 6%; os mestiços, 41%, e os brancos, 52%), defendeu que se mandem correspondentes brasileiros para a África. Pô, eu tenho um monte de candidatos... Mas nada de África do Sul, hein? Eu quero despachar esses “coleguinhas” para o Sudão e a Somália, por exemplo. Vamos enviar representantes da TV Pública para Darfur. O governo brasileiro, covarde e oportunista, se negou a censurar a milícia genocida porque queria o voto sudanês para integrar o Conselho de Segurança da ONU.

A conversa de Franklin é uma piada. Diz que é preciso ter correspondentes lá porque parte da população é afrodescendente. Não, senhor. Parte da população tem a pela negra ou parda, mas é brasileira, e nada tem de “africano”. Até mesmo a religião “negra” do Brasil é uma fusão de culto originários da África com o catolicismo. É, em muito sentidos, uma religião brasileira. Isso é só uma conversa mole terceiro-mundista. As TVs ditas comerciais têm programação regional, que dão conta da diversidade cultural brasileira. Tratarei deste assunto em outro texto, uma outra hora. Isso é só uma desculpa tola para o indesculpável.

Até agora, já sabemos que Franklin quer TV pública porque pretende fazer “debates mais aprofundados” e porque se ressente da falta de correspondentes na África. Eu acho que ele quer TV pública porque pretende criar um Diário Oficial na TV com fachada moderna.

O ESQUERDISTA

Indagado por Eleonora, Franklin se definiu como “de esquerda”. E o que é ser de esquerda? Ah, “é acreditar que o mundo é injusto e que essas injustiças não são naturais”. Uau! Eu também sou de esquerda, então. Mas, se eu sou de esquerda, Franklin não é. E vice-versa. Vai ver que a definição é, então, rasa, estúpida mesmo.

Quer dizer que a direita considera, então, o mundo justo? Mais: quer dizer que ela considera que as injustiças nascem em árvores? Há, nessa definição, mais de 200 anos de malandragem teórica. Com ela, fabricaram-se os grandes crimes do século 20. É por isso que Franklin, ao falar de seu passado, disse que “lutou pela democracia”. Falso! Ele não queria democracia. Ele queria uma ditadura comunista.

Alguém reivindicar para a esquerda a primazia da justiça é ignorância de causa ou má-fé. Quem distribuiu mais justiça social, benefícios e qualidade de vida? O capitalismo — deveria ser chamado de “direita”? — ou a esquerda? Ah, mas eu sei bem o que essa crença significa, não é? Se Franklin é de esquerda, se Lula é de esquerda, e se um esquerdista é contra as injustiças, tudo o que ele fizer, embora não pareça, será para garantir mais igualdade no mundo.

Não me refiro a Franklin em particular: estou cada vez mais certo de que um esquerdista está sempre empenhado em cometer ou em justificar alguma forma de crime, nem que seja moral.

INDISCIPLINA MILITAR

O ministro também justificou a indisciplina militar — mais um ponto em comum com Kennedy Alencar — e disse que foi “corretíssimo” negociar com os controladores. Embora tenha chamado o brigadeiro Juniti Saito de “estadista” (achei que ele fosse apenas comandante da Aeronáutica), a verdade é que acabou jogando toda a responsabilidade da crise nas costas da Força. Segundo Franklin, quando Saito determinou a prisão dos controladores, indagou-se a ele quais seriam as conseqüências. Ele teria previsto um recrudescimento do movimento. Perguntou-se então: “Há plano de contingência?” E ele teria dito que não. Sendo assim, considerou-se que estimular a indisciplina seria uma boa medida.

LISTA PARA MANDAR À ÁFRICA

E assim se chegou ao fim. Franklin teve ainda tempo de dizer que o fim da reeleição é um debate que só interessa a José Serra e Aécio Neves; que sua despensa tem mais comida do que ele pode comer, e seu guarda-roupa, mais roupas do que ele pode vestir, daí que tenha aceitado trabalhar por um salário menor; que mídia boa é aquela que vai aos fatos (vai ver a cobertura do mensalão não foi aos fatos como o então jornalista Franklin queria) etc e tal. Só não conseguiu deixar claro por que, afinal de contas, serão gastos, em princípio, R$ 250 milhões (especialistas apostam, no mínimo, no dobro) para criar a tal TV Pública.

A única perspectiva que achei auspiciosa é poder mandar alguns correspondentes para a África. Como eu já disse, tenho meus candidatos. Estou até pensando em fazer uma listinha, com a ajuda de vocês. Está na hora de algumas almas caridosas cobrirem a pobreza de perto. Eu, como vocês sabem, não levanto daqui nem para comprar cigarros...

O MINISTRO E CAPITU

Fiz esse longo arrazoado aqui. Especialmente para quem não assistiu. Noves fora, a confissão que Márcio Aith arrancou do ministro valeu o programa. Está gravado, ao vivo e em cores: ele sabia, no dia 16, da sentença que condenaria Diogo e a Abril só no dia 17. Sentença a que não tinha sido nem mesmo anexada a defesa. E endossou a versão de que ela estava na Internet — segundo Kennedy Alencar, com data do dia 3, igualzinha, garante, ao texto final, o que significa, então, que o juiz conseguiu prever, no dia 3, o que a defesa só entregaria no dia 10. Num dado momento do programa, Franklin demonstrou certo desapreço pela lógica. Entendo por quê.

Encerro, agora para valer, observando que Franklin mal sabia que a TV Globo lhe fazia um bem ao lhe dar um tempo curto para comentário. Na noite de segunda, ele teve uma hora e meia para falar. Não estava lá a Globo para protegê-lo de si mesmo. Confesso que eu esperava um pouco mais de requinte intelectual ao menos. Não vi. O ministro saiu do MR-8, mas o MR-8 não saiu do ministro. A vocação para a burocracia não mudou. O ministro de Estado já estava contido no guerrilheiro que redigiu o manifesto do seqüestro do embaixador americano, assim como a Capitu da Praia da Glória estava contida na da Rua de Matacavalos.

terça-feira, abril 10, 2007

FILHOS DA LIBERDADE

publicado por Rodrigo Constantino no Diego Casagrande


“O maior e principal objetivo dos homens se reunirem em comunidades, aceitando um governo comum, é a preservação da propriedade.” (John Locke)

O grande divisor de águas entre a era da servidão e a era da liberdade foi a Revolução Americana. Ali seria selado o direito do povo a um governo que respeitasse as liberdades individuais como nunca antes visto. A famosa passagem da Declaração de Independência de 1776 deixa isso claro:

“Consideramos estas verdades evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade”.

A independência americana foi resultado de um povo que não aceitava a subordinação facilmente. Após o término da Guerra dos Sete Anos, em 1763, a Grã-Bretanha estava com uma dívida que chegava a 130 milhões de libras, e os contribuintes britânicos, sobrecarregados com tributos de 20%, não pretendiam aceitar novos impostos. À necessidade de aumento da receita por parte do império britânico, parecia claro ao Parlamento que as colônias teriam de arcar com parte dos custos. A primeira tentativa foi a Lei da Receita de 1764, conhecida como a Lei do Açúcar. A despeito da insatisfação colonial, o Parlamento persistiu na tentativa de aumentar as receitas provenientes da América do Norte, sancionando a Lei do Selo em 1765. Isso despertou a fúria dos colonos, e houve forte reação por parte de grupos organizados de comerciantes coloniais, conhecidos como “Filhos da Liberdade”. Os gritos ecoavam que “sem representação não há tributação”. A lei foi revogada em março de 1766, mas o Parlamento não havia abandonado o plano de aumentar a receita através das colônias. Vieram as Leis Townshend, de 1767, que aumentavam as taxas alfandegárias sobre produtos britânicos básicos importados pelos americanos. Seguiram-se boicotes altamente eficazes, e o governo britânico recorreu à força militar. Acabaram revogadas também. Por fim, a Companhia das Índias Orientais adquiriu o monopólio sobre a importação de chá para as colônias, e isto culminou na famosa “Festa do Chá” de Boston. Era a gota d’água, e o próprio rei Jorge III reconheceu que “ou as colônias se submetem ou triunfam”. A sorte estava lançada.

A causa da independência ficou explícita através de um panfleto político do autodidata Thomas Paine, escrito em janeiro de 1776 e chamado Senso Comum. Nele, Paine atacou a monarquia, e referiu-se ao rei como “o tirano da Grã-Bretanha”. Para ele, a escolha era simples: permanecer sob o jugo de um tirano ou conquistar a liberdade. No panfleto, Paine, um racionalista que começara a trabalhar ao lado do pai aos 13 anos, deixou claro que o papel do governo era garantir a segurança, e destacou que “o governo, mesmo no seu melhor estado, não é mais que um mal necessário”, sendo um mal intolerável em seu pior estado. O próprio autor afirmou que escreveu o panfleto sob a influência somente da razão e do princípio. Outro nome de extrema relevância para a independência americana é Thomas Jefferson, que ficou famoso como o autor da Declaração de Independência, assim como o terceiro presidente americano. Jefferson era filho de um proprietário de terra abastado, vitorioso pelo seu próprio esforço, que ganhou a vida como topógrafo. Fez campanha pela separação entre a Igreja e o Estado e pela liberdade religiosa. Reconheceu que a bibliografia básica que o inspirou a escrever a Declaração era proveniente de nomes como Aristóteles, Cícero, Locke e Sidney. Este último era muito respeitado nas colônias americanas, e foi contemporâneo e amigo de William Penn, fundador da Pensilvânia. Apoiou os ideais que serviram de base à emancipação e à liberdade religiosa. Como os pensadores iluministas, para quem era uma inspiração, Algernon Sidney defendia o questionamento à autoridade.

A fermentação política nas colônias ocorria no contexto do Iluminismo, e a Declaração de Independência foi inspirada nas idéias iluministas, assim como serviu para lhes dar forma. Os pensadores iluministas tinham um compromisso com o progresso e o questionamento racional, inspirados pelas descobertas de Newton, que permitiram um avanço na compreensão do mundo natural. O conhecimento é acessível a todos, e a investigação racional é estimulada, o que tirou um pouco da mística da Igreja e do Estado. Estes não eram mais vistos como inquestionáveis. O homem é motivado pelo interesse próprio, e cabe ao governo protegê-lo dos demais homens. Como disse Locke em seu Segundo Tratado Sobre o Governo, “cabe aos homens tal direito aos bens que lhe pertencem, que ninguém tem o direito de lhos tirar, em todo ou em parte, sem o seu consentimento”. Afinal, “sem isso, não haveria nenhuma propriedade verdadeira, uma vez que outros tivessem o direito de tirá-la quando lhe aprouvesse, sem consentimento”.

Nas colônias, a Declaração de Direitos de 1689 dos ingleses era bastante conhecida, e representava o texto-chave da Revolução Gloriosa. O rei Jaime II acabou abdicando ao trono e fugindo sem lutar depois de despertar a inimizade da nação ao promover o catolicismo romano, a despeito das leis do Parlamento contrárias a isso. O texto, muito popular nas colônias, acabou influenciando a Declaração de Direitos da Virgínia, escrita por George Mason, a quem Jefferson se referia como “o homem mais sábio de sua geração”. Mason era um fazendeiro vizinho de George Washington, e converteu-se à idéia da emancipação por repúdio à tributação excessiva.

Outro grande nome desta época revolucionária é Benjamin Franklin, o mais velho dos signatários da Declaração. Ele fez poucas, porém cruciais alterações no texto de Jefferson. No original, lia-se: “Consideramos estas verdades sagradas e inegáveis”. Franklin alterou-a para a famosa frase “consideramos estas verdades evidentes por si mesmas”, removendo o tom mais religioso e transformando a frase na afirmação de um fato racional em vez de uma providência divina. Não custa lembrar que Benjamin Franklin, mesmo acreditando em Deus, foi o autor da frase “o jeito de ver pela fé é fechar os olhos da razão”. Apesar das diferentes religiões dos “pais fundadores”, a divisão entre Igreja e Estado foi sempre uma prioridade para eles, e no Tratado de Trípoli, em 1797, isso fica claro quando consta que o governo dos Estados Unidos não é fundado na religião Cristã.

Está certo que os negros ainda não estavam incluídos nesses direitos individuais que os “pais fundadores” dos Estados Unidos tanto defenderam. Eles mesmos, membros de uma elite americana, eram proprietários de escravos. Era este o contexto da época, infelizmente. Mas é inegável que ali, na própria Declaração de Independência, estavam plantadas as sementes que levariam à abolição dos escravos. Os abolicionistas baseavam sua causa em princípios morais, retomando a idéia da lei natural advogada por Jefferson na Declaração, que era usada diretamente para defender seus argumentos.

O famoso caso Amistad de 1839 foi o primeiro no qual se apelou para a Declaração, e o ex-presidente americano John Quincy Adams fez uma defesa eloqüente dos africanos presos. Seu longo discurso diante da Suprema Corte contou com o seguinte argumento: “No momento em que se chega à Declaração de Independência e ao fato de que todo homem tem direito à vida e à liberdade, um direito inalienável, este caso está decidido”. Abraham Lincoln foi outro que apelou constantemente à Declaração para defender a causa abolicionista. O texto foi uma vez mais invocado por outro grande defensor da igualdade perante a lei, Martin Luther King Jr. Seu mais famoso discurso, sobre seu sonho de viver numa nação livre, faz alusão direta ao trecho da Declaração onde todos os homens são criados iguais, uma verdade evidente por si mesma. Outro abolicionista conhecido, David Walker, escreveu em 1823 um texto usando os trechos da Declaração, e questionando se os americanos compreendiam o que estava sendo dito ali. A luta pela liberdade feminina iria também se apoiar na própria Declaração de Independência, defendendo o direito de igualdade entre os sexos. Enfim, o legado da Declaração é enorme na conquista da liberdade individual.

A Revolução Americana representou um marco na história. Ali, homens sábios dariam um basta à tirania, influenciados por importantes pensadores iluministas. Suas idéias estavam de acordo com o sentimento popular. Os “Filhos da Liberdade” combateram o excesso de tributação, assim como a ausência de representação política. Não aceitaram ser apenas súditos da coroa. Lutaram pela separação entre a Igreja e o Estado, assim como pela liberdade religiosa. Entenderam que o governo serve para proteger as liberdades individuais, e que cada um deve ter sua propriedade preservada, assim como deve ser livre para buscar a felicidade à sua maneira. Buscaram limitar ao máximo o poder estatal, e através da Declaração de Direitos, protegeram os indivíduos da ameaça do próprio governo. Compreenderam que a descentralização do poder é fundamental, e por isso respeitaram o modelo federalista. Em resumo, criaram a primeira nação com bases realmente liberais!

quarta-feira, abril 04, 2007

Os fatos desmentem o ministro Hélio Costa

Publicado no blog do Reinaldo Azevedo
Quarta-feira, Abril 04, 2007


Os fatos desmentem o ministro Hélio Costa

“A Telebrás foi vendida a preço de banana” - proclamou o ministro das Comunicações, Hélio Costa, ao falar na quarta-feira na Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicações da Câmara. Não dá para silenciar diante de uma declaração dessas. O que o ministro chama de “preço de banana” deve equivaler ao da produção de banana de toda a América Latina durante um século, pois foi de R$ 22,2 bilhões ou US$ 19 bilhões da época, com ágio superior a 63% sobre o preço mínimo.

Na verdade, a Telebrás foi vendida pelo preço mais elevado entre todas as grandes operadoras do setor privatizadas no mundo na década dos 1990, segundo avaliou na época a revista inglesa Privatisation, de Londres.

Ao longo da semana que passou, o ministro criticou duramente a qualidade das televisões estatais de três países e, em seguida, respondeu a um diplomata estrangeiro, que dele discordou. Depois, participou de tumultuada audiência na Câmara, em que fez a revelação de impacto sobre a venda da Telebrás por preço vil.

Façamos um brevíssimo retrospecto dos fatos relativos ao leilão da estatal das telecomunicações em julho de 1998. As ações da Telebrás estavam pulverizadas nas mãos do público e somente um terço delas (33,3% do capital) eram ações ordinárias, com direito a voto. Como o governo detinha pouco mais da metade daqueles 33,3%, era essa a fatia que estava à venda no leilão de privatização. Embora representasse apenas 19% do capital total da Telebrás, esse bloco de ações ordinárias significava o controle da Telebrás.

Poucas semanas após a privatização da Telebrás, viria a crise da Rússia, que afastou a maioria dos grandes investidores de leilões de privatização no mundo. E, para agravar ainda mais esse quadro, assistimos, menos de dois anos depois, ao rompimento da bolha da internet e das telecomunicações, com a desvalorização dramática de todos os ativos dessas duas áreas. Exemplo dessa desvalorização ocorreu quando a Embratel foi vendida pela MCI à Telmex, por um terço do preço pago na privatização.

Embratel

Ao mencionar de passagem a Embratel, Hélio Costa afirmou na audiência da Câmara que “ninguém previu que em uma emergência (para formar uma rede de TV, por exemplo) será necessário pedir autorização aos mexicanos”.

Talvez seja mera força de expressão essa acusação do ministro da eventual necessidade de “pedir autorização aos mexicanos”, pois qualquer pessoa ou empresa pode contratar serviços de transmissão de telecomunicações no Brasil, em contato direto com a Embratel. Mais do que isso: pode buscar as operadoras dos 40 satélites internacionais autorizados a prestar serviços sobre o território brasileiro. Ou ainda usar a alternativa de uma dúzia de troncos de microondas terrestres de longa distância operados por outras concessionárias nacionais.

O ministro também não reconhece os reais benefícios que a privatização trouxe para o desenvolvimento e modernização das telecomunicações no Brasil. No entanto, são números que não admitem contestação, pois, além dos R$ 22,2 bilhões pagos ao governo pelo controle da Telebrás, os novos grupos privados investiram nos últimos nove anos R$ 135 bilhões - algo como US$ 66 bilhões - na infra-estrutura de telefonia fixa e celular, redes sem fio, satélites, banda larga e longa distância nacional e internacional - ampliando o número de acessos telefônicos de 24 milhões para os 145 milhões atuais. Uma expansão de 500%.

Disparidade

Conforme declarou na audiência na Câmara, Hélio Costa se preocupa com a desproporção entre o faturamento total das empresas de telecomunicações e as de radiodifusão, da ordem de 10 para 1. Essa disparidade, no entanto, é a mesma na Europa, nos Estados Unidos e no Japão.O ministro critica também o faturamento anual de R$ 100 bilhões das teles, gerado pela operação de 145 milhões de telefones hoje no Brasil. É bom lembrar que dessa receita total, R$ 40 bilhões são impostos, que saem diretamente de nosso bolso e vão para os governos estaduais e para o Tesouro Nacional. Melhor seria se ele buscasse nos defender desse assalto tributário, em que o Brasil é o campeão mundial, ao cobrar tantos impostos nesse montante de 40% sobre o valor de nossas contas telefônicas.

Uma lembrança oportuna seria ainda a do cenário em que vivíamos nos últimos dias da Telebrás, em 1998, quando a densidade de telefones fixos e celulares do País era de apenas 14 acessos por 100 habitantes, em lugar dos atuais 76%. Ou dos planos de expansão que, até 1997, nos cobravam R$ 1.117 por uma linha telefônica e ainda nos obrigavam a esperar dois anos ou mais pela instalação do aparelho. Ou pagar até 5 vezes mais no mercado paralelo. Hoje, uma linha telefônica pode ser instalada até de graça, no prazo máximo de uma semana, em todo o País.