quarta-feira, março 28, 2007

Independência entre os poderes

A carta abaixo transcrita, atribuida ao Juiz Ruy Coppola (2º TAC) do Estado de São Paulo e que circula na internet, é tida como publicada no jornal Estado de São Paulo de 23/01/2004. O único site jornalístico onde numa rapídíssima pesquisa encontrei alguma coisa a respeito, foi o do Claudio Humberto, que pode ser consultado clicando aqui. Se você pesquisar no Google utilizando os nomes do jornalista e do juiz encontrará outras referências em jornais que publicam a coluna do Claudio.

Não deixa de ser uma demonstração de independência entre os poderes da República, e de orientação do juiz ao presidente de como conduzir a missão para o qual foi eleito pelo povo.

Pode ser, que a perplexidade de qualquer um diante de imensa tarefa, leve a buscar "culpados" em todas as direções. Diante de situações como essa, cada vez mais é claro para mim, que o Estado deve ser reduzido em tamanho e atribuições, pois além de não atuar onde deveria, atrapalha a sociedade no alcance das soluções dos seus problemas.


Mensagem ao presidente!

Estimado presidente, assisti na televisão, anteontem, o trecho de seu discurso criticando o Poder Judiciário e dizendo que V. Exa. e seu amigo Márcio, ministro da Justiça, há muito tempo são favoráveis ao controle externo do Poder Judiciário, não para "meter a mão na
decisão do juiz", mas para abrir a "caixa-preta" do Poder.

Vi também V. Exa. falar sobre "duas Justiças" e sobre a influência do dinheiro nas decisões da Justiça. Fiquei abismado, caro presidente, não com a falta de conhecimento de V.Exa., já que coisa diversa não poderia esperar (só pelo fato de que o nobre presidente é leigo), mas com o fato de que o nobre presidente ainda não se tenha dado conta de que não é mais candidato.

Não precisa mais falar como se em palanque estivesse; não precisa mais fazer cara de inconformado, alterando o tom da voz para influir no ânimo da platéia. Afinal, não é sempre que se faz discurso na porta da Volks. Não precisa mais chorar. O eminente presidente precisa apenas mandar, o que não fez até agora. Não existem duas Justiças, como V. Exa. falou. Existe uma só. Que é cega, mas não é surda e costuma escutar as besteiras que muitos falam sobre ela. Basta ao presidente mandar seu amigo Márcio tomar medidas concretas e efetivas contra o crime organizado. Mandar seus demais ministros exercer os cargos para os quais foram nomeados. Mandar seus líderes partidários fazer menos conchavos e começar a legislar em favor da sociedade. Afinal, V. Exa. foi eleito para isso. Sr. presidente, no mesmo canal de televisão, assisti a uma reportagem dando conta de que, em Pernambuco (sua terra natal), crianças que haviam abandonado o lixão, por receberem R$ 25 do Bolsa-Escola, tinham voltado para aquela vida (??) insólita simplesmente porque desde janeiro seu governo não repassou o dinheiro destinado ao Bolsa-Escola. E a Benedita, sr. presidente? Disse ela que ficou sabendo dos fatos apenas no dia da reportagem.

Como se pode ver, Sr. presidente, vou tentar lembrá-lo de algumas coisas simples. Nós, do Poder Judiciário, não temos caixa-preta. Temos leis inconsistentes e brandas (que seu amigo Márcio sempre utilizou para inocentar pessoas acusadas de crimes do colarinho-branco). Temos de conviver com a Fazenda Pública (e o Sr. presidente é responsável por ela, caso não saiba), sendo nossa maior cliente e litigante, na maioria dos casos, de má-fé. Temos os precatórios que não são pagos. Temos acidentados que não recebem benefícios em dia (o INSS é de sua responsabilidade, Sr. presidente).

Não temos medo algum de qualquer controle externo, Sr. presidente. Temos medo, sim, de que pessoas menos avisadas, como V. Exa. mostrou ser, confundam controle externo com atividade jurisdicional (pergunte ao seu amigo Márcio, ele explica o que é). De qualquer forma, não é bom falar de corda em casa de enforcado. Evidente que V. Exa. usou da expressão "caixa-preta" não no sentido pejorativo do termo.

Juízes não tomam vinho de R$ 4 mil a garrafa. Juízes não são agradados com vinhos portugueses raros quando vão a restaurantes.


Juízes, quando fazem churrasco, não mandam vir churrasqueiro de outro Estado.

Mulheres de juízes não possuem condições financeiras para importar cabeleireiros de outras unidades da Federação, apenas para fazer uma "escova".

Cachorros de juízes não andam de carro oficial.

Caixa-preta por caixa-preta (no sentido meramente figurativo), sr. presidente, a do Poder Executivo é bem maior do que a nossa.


Meus respeitos a V. Exa. e recomendações ao seu amigo Márcio.

Ruy Coppola,
juiz do 2.º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, São Paulo

P.S.: Dê lembranças a "Michelle". (Michelle é cachorrinha do Presidente que passeia em carro oficial)

Ver mais sobre a carta no site do Claudio Humberto clicando aqui.

quinta-feira, março 22, 2007

A "SÍNDROME DE CHICO BUARQUE"

por Augusto de Franco - 22.03.2007, 17h31


Este artigo encerra minha trilogia das "síndromes" com as quais tento explicar, ainda que parcialmente, por que as elites brasileiras são as grandes responsáveis pelo retrocesso democrático que estamos vivemos no Brasil.

No primeiro artigo da série falei da "síndrome da China" para mostrar porque as elites econômicas brasileiras resolveram fingir que não estão vendo a escalada do banditismo de Estado promovida pelo governo Lula e pelo PT. Se imaginam que podem ganhar mais com o PAC, todo apoio à Lula, independentemente do fato do lulismo estar pervertendo a política democrática e degenerando as suas instituições. A "síndrome da China" fazia alusão à admiração dos nossos homens de negócios pelo milagre do crescimento do PIB chinês sem se preocuparem com o fato de que a China é uma ditadura. É uma referência à conhecida irresponsabilidade política de boa parte do empresariado. O mercado, aqui como em qualquer lugar, quer saber mesmo é do lucro. Pode-se não gostar, mas essa é a sua "função" (ou melhor, a sua racionalidade). No entanto, os empresários são seres humanos, nascidos neste planeta, não vieram de Marte e – como os demais cidadãos – devem ter responsabilidade política pelo que acontece com a sociedade a que pertencem. Embora possam ser percebidos sinais promissores nesse sentido – pois que uma parte do empresariado começa agora a se preocupar com isso ao perceber que a sustentabilidade de seus negócios depende, em grande medida, do tipo de política que se pratica – não se pode negar que a maioria, pelo visto, ainda não acordou.

No segundo artigo falei das nossas elites políticas , sobretudo daquelas que foram acometidas pela "síndrome da oposição responsável", que explica porque foi possível à Lula se recuperar sem mudar de comportamento. Para se diferenciar dos petistas, querendo ser mais responsáveis pelo governo, fora do governo, do que quando estavam no governo, os tucanos (e, em menor escala, os pefelistas) foram lenientes, coniventes e colaboracionistas com o lulopetismo. Com isso, possibilitaram a sobrevivência do banditismo de Estado e, agora, estão ensejando as condições para a hegemonia de um projeto neopopulista, regressivo em termos democráticos e de longa duração. Não falei dos setores pragmáticos, das agremiações que foram constituídas para vender legendas, das gangues políticas tradicionais e dos partidos que estão com o governo qualquer que seja ele, porquanto tudo isso já faz parte da nossa triste paisagem institucional. É claro que, adotando tal comportamento, nossas elites políticas, em sua maioria, também são (ir)responsáveis e num grau ainda maior do que as chamadas elites econômicas, pela atual regressão política.

Neste último artigo da série vou falar de nossas elites sociais, dos intelectuais e professores universitários, do setor cultural, dos homens e mulheres de mídia, das corporações e movimentos sociais e da nova burocracia associacionista das ONGs (quase totalmente impregnada pelo lulismo: 90% votaram ou fizeram as campanhas de Lula para presidente 8 vezes seguidas nas últimas duas décadas; quem duvidar que faça uma pesquisa).

Esse fenômeno tem a ver com várias coisas. Tem a ver com o "marxismo como profissão" e não apenas como profissão de fé (a "religião laica" adotada nas universidades), mas como meio-de-vida mesmo. Tem a ver com a falta de visão democrática dos militantes dos chamados movimentos sociais (estruturados como correias de transmissão de grupos políticos). Tem a ver com o banditismo sindical (sim, o sindicalismo é uma forma – social, não necessariamente criminal, mas com freqüência também criminal – de banditismo). Tem a ver com a chamada "igreja popular" e com a ideologia da libertação inspirada naquele mesmo utopismo messiânico que inspirou o marxismo-leninismo. E tem a ver com a nova burocracia associacionista das ONGs (pelo menos daquela parte composta pelas entidades constituídas durante – ou logo após – o regime militar, como substitutos organizativos do "partido revolucionário" que não existia; e das que foram montadas como formas de atuação à serviço de abstratos ideais de combate à exclusão social, tal como formulados pela velha esquerda; e isso para não falar das falsas ONGs, urdidas por candidatos ou partidos para divulgar suas idéias ou fazer suas campanhas fora de períodos eleitorais).

O problema é mais profundo do que parece porquanto, para além de todas as razões evocadas acima, tem a ver com os valores que assimilamos e disseminamos nos últimos cinqüenta anos.

Ainda está "no comando" a geração do pós-guerra, que tem hoje de 45 a 65 anos. Em todos os setores da vida social é essa geração – de quem nasceu nas décadas de 40 e 50 do século passado – que detém o controle executivo: dos aparatos do Estado, do grande capital, dos partidos, das organizações da sociedade e das instituições capazes de influir no comportamento coletivo, de ditar os costumes e, sobretudo, de difundir os valores que devem ser seguidos.

No plano cultural, foi a geração que resistiu à ditadura militar, cantando aqueles famosos versos de Chico Buarque – "apesar de você, amanhã há de ser, outro dia..." – quando o bacana era ser de esquerda, ser progressista e revolucionário e não reacionário (a direita, dizia-se, era necrófila). Essa cultura continuou viva, mesmo após a redemocratização. Quando chegou, afinal, aquele cantado amanhã, foi decepcionante. Mas aqueles jovens irrequietos, que há quarenta anos tinham vinte, já estávamos, senão todos, boa parte – agora – com as faces meio enrugadas, carecas e de barbas embranquecidas, sem grandes perspectivas de carreira a não ser no Estado ou em organizações dependentes do Estado e não tão dispostos assim a reconhecer os nossos equívocos.

Os que não participaram diretamente dessa aventura romântica da esquerda foram impregnados, nas universidades, pelos relatos ideologizados que dela faziam os seus mestres "marxistas de profissão" e, sobretudo, foram contaminados pelos seus esquemas de ver a realidade. Assim, a geração seguinte à nossa, que não viveu a história da luta contra a ditadura (e não necessariamente pela democracia, eis a questão!), continuou sendo (de)formada: gente que mal saiu dos cueiros para as redações dos jornais, substituiu logo, no altar montado ainda na casa dos progenitores, a imagem de Santa Terezinha que ganhou da velha tia, por aquele pôster do Che. Sim, porque mesmo depois da queda do Muro e da derrocada da União Soviética, o bacana ainda era ser de esquerda: ao lado do Che alguns colocaram a foto do sandinista Ortega (aquele que no I Congresso do PT, em 1991, perguntou a um membro da direção do partido se não poderia conseguir umas prostitutas...) e, em seguida, por que não?, um cartaz do Lula candidato e, depois ainda, do Presidente Lula com aquela cara de Zé Carioca e as armas da República: uma prova tangível de que o amanhã que os seus professores haviam cantado de fato chegara.

A "síndrome de Chico Buarque" é o nome para essa recusa em admitir que aquelas promessas dos "amanhãs que cantam" foram ilusórias. Que os líderes nos quais apostávamos tudo, uma vez no poder, passaram a se comportar como verdadeiros cafajestes (e também a recusa em admitir que nos enganamos com muitos deles, que já eram cafajestes enrustidos àquela época, como o tal Ortega e outros mais próximos que prefiro não citar aqui por, digamos, delicadeza). Nossas elites sociais não quiseram passar recibo da sua ingenuidade (enganadas que foram por bandidos oriundos do movimento sindical e por outros, de organizações militaristas antidemocráticas), porém, mais do que isso, não quiseram admitir que gastaram boa parte da sua vida apostando errado. Essa, aliás, é uma das razões práticas da incrível resiliência da idéia de esquerda. O projeto naufragou em todos os lugares do mundo em que foi tentado, mas, mesmo assim, numerosos ex-militantes (e inclusive simpatizantes) da esquerda não querem dar o braço a torcer pois que avaliam – incorretamente, registre-se – que tal soaria como uma confissão de inutilidade das suas vidas.

Isso no que tange à parte chamada "progressista" das nossas elites culturais. A outra parte, composta pelos "reacionários" ou "de direita", parece não ter sido assim tão presente nas instituições que exerceram grande influência sobre o pensamento político das gerações mais recentes. Se formos fazer um levantamento das instituições com influência política, geral ou na base da sociedade, no Brasil, são muito raras as que não entraram na onda do "progressismo".

É claro que há também aquelas elites sociais que poderiam ser caracterizadas como indiferentes, e que assim continuaram – sem fazer grande diferença – em termos da influência exercida sobre o comportamento político coletivo.

De sorte que foi o pensamento "progressista" das nossas elites sociais que acolheu Lula, do qual um bom exemplo é o autor da música "Apesar de você" (escrita em 1970). Sob o embalo dessa onda, duas gerações inteiras de brasileiros (ou, se quisermos, três: dos nascidos entre 1945 e 1985 – que já puderam votar em Lula em 2002) aprenderam que era preciso recusar a ditadura mas não aprenderam o que era necessário para construir a democracia. Os que nasceram nas décadas de 1940 e 1950 e entraram na universidade nos anos 60 e 70 foram induzidos a rejeitar o imperialismo norte-americano, a admirar a União Soviética ou a China ou Cuba; mas nada de democracia. Com a queda do Muro de Berlim, os que nasceram no início dos anos 70 e entraram na universidade a partir de 1990, foram "educados" a rejeitar o novo satã chamado neoliberalismo (durante a década de 1990 a academia resolveu fugir do mundo para constituir-se quase exclusivamente como palco de uma nova cruzada ideológica contra o "Consenso de Washington" e contra, é claro, seu suposto representante no Brasil: o governo FHC); mas, igualmente, nada de democracia.

Lula começou a surgir publicamente em 1980, na luta contra a ditadura. Durante 20 anos sua figura, mítica, exerceu um poderoso fascínio sobre nossas elites sociais, sobretudo sobre nossos expoentes culturais e intelectuais, na música, no teatro, no cinema, nas artes plásticas, nas letras e também nas universidades e na imprensa. Quem poderia ser contra esse humilde operário, esse novo "David" que afrontou o poder militar apoiado apenas em sua autêntica liderança? Não haveria de ser o autor de "Apesar de você".

No entanto, foi uma decepção. Sim, Lula revelou-se muito ruim. Até Chico Buarque (pode não dizer, mas) percebe. Mesmo assim, vota nele. E continuará votando enquanto houver eleição (e ele – o eterno candidato – for, é claro, candidato), justificando que não há alternativa... ou que é possível admitir tudo, menos a volta do neoliberalismo! Vejam que para tal cultura o neoliberalismo é um mal, um contra-valor, mas a democracia não é um valor: se tivessem de escolher entre o neoliberalismo e algumas restrições à democracia, ficariam com a segunda alternativa.

Como disse certa feita outro Buarque – o Cristovam – referindo-se à tolerância de parte da militância do PT e dos intelectuais com a corrupção do PT-no-governo: "todo esse pessoal que justificou a corrupção como uma necessidade do governo também justificará o autoritarismo como uma necessidade do governo" (confiram, vale a pena, a curta e contundente entrevista concedida por Cristovam à Eugênia Lopes, no Estadão, em 2 de novembro passado). Acrescentando que "existem muitas formas de ser autoritário, os ditadores e os manipuladores e o Lula se enquadra nos manipuladores", Cristovam Buarque foi direto ao ponto. Tais como os ditadores, os manipuladores também enfreiam o processo de democratização; os primeiros suprimem-no abertamente, enquanto que os segundos fazem o que estamos assistindo neste momento no Brasil: pervertem a política democrática e degeneram suas instituições.

Acometidas da "síndrome de Chico Buarque", nossas elites sociais "progressistas" fecharam os olhos para tudo isso. Não sendo a volta da direita, dos conservadores, do imperialismo norte-americano ou do neoliberalismo, pode tudo. Para evitar o mal maior, fica-se com os males avaliados como menores: a corrupção, o banditismo, a manipulação clientelista, a centralização, o autoritarismo, o hegemonismo e o neopopulismo podem até constituir graves ameaças à democracia, mas... e daí? De que adianta uma democracia a serviço daqueles que são responsáveis por todo o mal que assola a humanidade?

Eis a pergunta-chave, que explica tudo. A falta de compreensão da (e de conversão à) democracia e a incipiência da sua prática democrática explicam por que as nossas elites sociais – apesar de tudo o que aconteceu – continuaram (e continuarão, por muito tempo) apoiando Lula e o PT


terça-feira, março 20, 2007

EM DEFESA DA LIBERDADE

por Rodrigo Constantino

“The argument from intimidation is a confession of intellectual impotence.” (Ayn Rand)


Muitos conservadores religiosos, que antes elogiavam meus artigos, estão agora criticando minha “cruzada” contra as religiões e pedindo que eu volte a falar apenas de economia. Voltar? Gostaria de saber destes quando foi que eu falei apenas de economia. Será que esqueceram dos meus artigos condenando o fanatismo islâmico ou os ataques injustos a Israel na questão com a Palestina? Isso não me parece algo sobre economia. Será que fingem não ter visto meus artigos defendendo a liberdade de expressão quando o jornal que publicou desenhos injuriosos de Maomé foi duramente condenado? Será que não lembram de um artigo condenando o uso da religião para fins políticos pelo populista Garotinho? Será que é um tema apenas econômico condenar o coletivismo e a inveja presentes na seita socialista? Será que meus artigos contra o relativismo moral podem ser incluídos no rol de assuntos sobre economia? Será que um artigo criticando a visão romântica de “bom selvagem” de Rousseau pode ser classificado como assunto de economia?

Basta uma rápida visita ao meu blog para ficar claro que jamais falei apenas de economia. Defendo algo muito maior que a liberdade econômica. Defendo a liberdade individual, que envolve não apenas a liberdade econômica, mas também a liberdade de expressão, de opinião e de conduta, limitada apenas pela liberdade dos outros. O liberalismo é muito mais amplo que impostos baixos e pouca burocracia. Na verdade, esta postura dos conservadores deixa claro que não são defensores do liberalismo, não lutam de verdade pelas liberdades individuais. Pedem liberdade estritamente econômica, pois não ligam muito para a economia, já que falam com desprezo sobre os assuntos materiais. Mas naquilo que é do verdadeiro interesse dos conservadores, as questões de comportamento, eles defendem o autoritarismo estatal, o coletivismo. São um espelho dos socialistas, que defendem o autoritarismo estatal e o coletivismo naquilo que os interessa, que é o material. Raros são os que defendem a liberdade no sentido mais amplo, tanto econômica como na conduta da vida. Esses são os liberais verdadeiros, espremidos entre coletivistas autoritários de ambos os lados.

Autores liberais que influenciaram minhas idéias, tais como Humboldt, John Stuart Mill, Mises, Hayek, Ayn Rand e Milton Friedman, nunca limitaram seus escritos ao restrito tema da liberdade econômica. A liberdade econômica é fundamental, pois sem ela, não existe liberdade individual. Mas ela não é, nem de perto, suficiente. Os indivíduos devem ser livres para viver de acordo com o que defendem, contanto que não invadam a liberdade alheia. Ora, quando a religião invade essa esfera, é uma ameaça para a liberdade, e deve ser combatida. Quando um país proíbe o consumo de carne de porco porque uma maioria considera isso repulsivo por motivos religiosos, a minoria que não liga para tal religião tem sua liberdade tolhida injustamente. Quando um indivíduo não pode fazer um desenho ironizando a figura que quiser, porque agride a fé dos outros, sua liberdade foi solapada. Quando um Papa chama de “praga social” um segundo casamento, e exige que políticos católicos votem matérias de acordo com a doutrina da Igreja, o assunto não é mais apenas do interesse dos fiéis seguidores. Quando a Inquisição manda para a estaca um ateu apenas por ser ateu, isso não é diferente do ato de mandar para a câmara de gás um judeu no regime nazista. Quando a religião sai da esfera individual e passa para medidas concretas que afetam a liberdade dos outros que não compartilham das crenças desta religião, a liberdade individual está sendo ameaçada.

A liberdade de alguém não querer ver seu ídolo sendo criticado não é da mesma natureza que a liberdade de alguém poder criticar quem quiser, assim como a liberdade de alguém que quer roubar uma bolsa não é da mesma natureza que a liberdade de alguém que não deseja ter sua bolsa roubada. Como disse Mill em A Liberdade, "a única razão de se exercer o poder legitimamente sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada contra sua vontade é prevenir danos a outros”. O que eu simplesmente não gosto não é motivo suficiente para coerção. O mesmo vale para a maioria. Como o próprio Mill diz ainda, “a humanidade ganha mais tolerando que cada um viva conforme o que lhe parece bom, do que compelindo cada um a viver conforme pareça bom ao restante”. Fanáticos religiosos são totalmente incapazes de compreender isso, e desejam impor aos demais a sua regra de conduta, que certamente é a correta, pois foi “revelada”. Tal fanatismo religioso é incompatível com a liberdade individual.

Como fica claro, não participo de cruzada anti-religiosa alguma, tampouco tenho como alvo específico a Igreja Católica. Não luto contra alguma coisa, mas sim por alguma coisa, e esta coisa é a liberdade individual. Logo, tudo que representar obstáculo a este fim será condenado. Seja a ideologia socialista, a doutrinação religiosa que invade a liberdade dos não religiosos, a pressão do “politicamente correto” que limita a liberdade de expressão dos indivíduos ou a própria ditadura da maioria, que ignora a liberdade das minorias de viverem de forma diferente, irei continuar condenando tudo aquilo que prejudica a liberdade dos indivíduos. Os conservadores não gostam disso. Aceitam que todo o restante seja criticado com argumentos e lógica, e até aplaudiam meus artigos nessa linha. Mas quando o alvo passa a ser sua própria religião, as emoções os dominam e a reação é totalmente passional, como um torcedor fanático que admirava muitas coisas no outro mas passa a detestá-lo quando descobre que ele torce para o time adversário. Passam a tentar me intimidar na base de agressões chulas e ironias bobas, tal como faziam justamente os socialistas quando estes eram o alvo do ataque. Querem me calar de qualquer maneira.

Trata-se, como diz Ayn Rand na epígrafe, de uma clara confissão de impotência intelectual, já que não possuem argumentos sólidos para rebater as críticas às suas crenças. Agindo como um rebanho bovino, não há muita distinção entre esses conservadores e seus inimigos socialistas. E aos que pedem para concentrar a munição em um lado apenas, lembro que o inimigo do meu inimigo não é meu amigo. Considero tanto conservadores fanáticos como socialistas igualmente perigosos para a liberdade individual. E minha luta é em defesa da liberdade.

sexta-feira, março 02, 2007

Blindado contra os fatos

Copiado do blog do Reinaldo Azevedo - Quinta-feira, Março 01, 2007
Para acessar o blog clique aqui.



O presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu uma entrevista a 11 jornalistas hoje. Segue, abaixo, em azul, o texto de Luiz Rila, no Estadão On Line. Faço comentários em vermelho.


No momento em que os mercados financeiros passam por turbulência e a política monetária conduzida pelo Banco Central enfrenta críticas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assegurou que não haverá mudanças na equipe econômica do governo. "A área econômica está blindada pelo sucesso dela”, disse ele nesta quinta-feira, 1º.
Mesmo sem citar o nome de nenhum integrante do primeiro escalão, Lula deixou claro que serão mantidos o presidente do BC, Henrique Meirelles, e os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Paulo Bernardo.
A afirmação foi feita durante café da manhã no Palácio do Planalto com um grupo de 11 jornalistas. Ao longo do encontro, o presidente descartou a possibilidade de disputar um terceiro mandato, confirmou não ter pressa em realizar a aguardada reforma ministerial e disse que a Petrobras deve atuar para garantir o abastecimento de um futuro mercado global de biocombustível.
Confira os principais pontos da conversa:


Política econômica - Ao confirmar a permanência da equipe econômica, o presidente afirmou que o País vive uma fase especial. "Desde a proclamação da República, os fundamentos da economia não estavam tão sólidos", avaliou, apontando o elevado nível de reservas do Brasil como uma garantia para resistir às oscilações dos mercados financeiros.
Lula lembrou de uma viagem à Índia, na qual ficou admirado ao saber que as reservas daquele país eram de US$ 100 bilhões. "Fiquei pensando: será que algum dia teremos US$ 100 bilhões?", recordou. "Taí, nossas reservas agora estão em US$ 100 bilhões. Isso é uma conquista."


Lula começou o primeiro mandato se dizendo melhor do que FHC. Depois avançou para Getúlio Vargas. Aí elegeu Juscelino e o regime militar. Agora, já é um evento único na história da República. Nem parece que é o chefe de uma gestão que produziu uma média de crescimento de 2,6% no primeiro mandato. O caso da reservas é um bom exemplo. Precisamos de US$ 100 bilhões, de R$ 150 bilhões ou de US$ 200 bilhões? A questão é saber a que custo. Lula faz de conta que o Brasil está estocando dólares como quem guarda ouro na caixa forte do Tio Patinhas.




Responsabilidade econômica - O presidente repetiu que não há "solução mágica" para destravar o País e considerou superados os tempos em que a política econômica sofria periodicamente guinadas bruscas. "Durante décadas, fomos irresponsáveis. Agora não custa nada sermos responsáveis por pelo menos uma década", disse. "Sou eu que me exponho e ninguém mais do que eu quer andar de cabeça erguida pelo mundo. O Brasil começa a ser visto como um país sério. Estamos a um fio de chegar lá."


Eis aí. Tudo o que se fez até agora na economia foi irresponsabilidade — desde a Proclamação da República. É um discurso indecente. Lula está dizendo, por exemplo, que o Plano Real — aquele que, de fato, eliminou a inflação que estava estruturalmente colada à economia — não foi obra sua, mas... de FHC. Se o PT fosse ouvido, ao contrário, não existiria o Real. O partido foi contra. Este mesmo que fala já se referiu a seu próprio discurso de então como "bravata". Esses cafés da manhã viram convescotes para o presidente falar o que lhe dá na telha sem chance de ser contestado. A culpa não é dos jornalistas, claro, que só cumprem a sua função. Têm de ir lá ouvir. Fazer o quê?




Crescimento do PIB - Indagado sobre o crescimento de apenas 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB) registrado no ano passado, o presidente admitiu novamente que o desempenho foi aquém do que ele desejava. Mesmo assim, assegurou que o País está no rumo certo.
Lembrou que o desenvolvimento do Brasil foi bem mais acelerado em pelo menos dois períodos - durante o governo JK e ao longo do regime militar. "Mas não houve distribuição de renda", frisou. "Agora as bases sociais estão colocadas para um crescimento com mais responsabilidade social."




Essa conversa de distribuição de renda é uma cascata, mas cola, dada a mediocridade do debate brasileiro. A maior redistribuição de renda havida no Brasil foi o fim da inflação. A fantástica classe média criada no Brasil durante o regime militar foi ou não redistribuição de renda?


Gastos públicos - Lula reafirmou a intenção de, em seu segundo mandato, ampliar as despesas do governo, porém garantiu que não fará isso de forma irresponsável: "Não vou gastar mais, vou investir mais."Ele propôs uma comparação para deixar clara a distância entre as duas atitudes: é a mesma diferença entre pagar aluguel e comprar a casa própria. "No começo da vida, eu alugava uma casinha no Moinho Velho, lá em São Paulo. Pagava algo como R$ 100 e esses R$ 100 não voltavam mais", contou. "Depois, consegui um dinheiro e comprei uma coisinha no Parque Bristol. Foi investimento numa coisa minha."


Ah, eu não vou comentar isso, não. Não tenho nada a dizer a respeito. Prefiro Lula falando de pingüins.



Terceiro mandato - A uma pergunta sobre a possibilidade de disputar um terceiro mandato em 2010, Lula reagiu: "É muito improvável. É inexeqüível." Os jornalistas insistiram: "É improvável, mas não impossível?" O presidente foi, então, mais categórico: "Coloquem que é impossível. Seria brincar com a democracia. Não tem hipótese. Disputei dentro das regras e vou respeitar as regras."
Lula apontou como seu objetivo político "terminar o segundo mandato em condições melhores do que o primeiro e ter influência na eleição de um companheiro". Fechou o raciocínio com um comentário que pareceu uma estocada no antecessor, Fernando Henrique Cardoso, que em 2002 teve presença escassa na campanha do candidato do PSDB ao Planalto, José Serra: "Nada pior para um político do que ver que seus pares não querem vê-lo em cima do palanque."




Huuummm. O que foi feito da palavra "Não"? A referência velada a FHC é manifestação do que considero a delinqüência intelectual habitual.


Reforma ministerial - Não há pressa para realizar a aguardada reforma ministerial, confirmou Lula, lembrando não ter conversado ainda com o presidente do PT, Ricardo Berzoini. "Vou conversar no sábado, no domingo, qualquer dia desses", disse. "Nunca estive numa situação tão favorável. Não há pressão. Estou à vontade."De acordo com o presidente, seus aliados compreendem que é preciso haver espaço para todas as forças que apóiam o governo. "Eles podem pedir o que quiserem, mas sabem que a última palavra tem que ser do presidente, com base no interesse do País", garantiu.


Tá, tá...



Segundo mandato - O presidente insistiu que se julga agora, no segundo mandato, numa situação mais confortável do que antes. "Sinto uma boa vontade que não senti durante o primeiro mandato", avaliou.Ele admitiu ter ficado contrariado com o fato de as eleições de 2006 terem sido definidas apenas no segundo turno, porém diz haver concluído que esse fato foi "uma dádiva de Deus", por ter permitido a aglutinação de forças antes dispersas. "Há casos de gente que trabalhou contra que acabou ficando a meu favor."


Mais boa vontade, é? De quem? Lula é injusto, como sempre. Jamais um presidente foi recebido com tanta bonomia pela mídia e, sobretudo, pelas forças adversárias. Ele sabe que a reputação de seu governo, no primeiro mandato, foi para o lixo por causa das evidências de corrupção. E se recuperou, é fato. Nunca houve má vontade. Ao contrário. Lula costuma se protegido de si mesmo. É como se fosse inimputável.



Segurança pública - Na avaliação do presidente, não há solução fácil para reduzir os altos índices de violência do País e, por isso, o poder público não deve tomar decisões com base em impulsos motivados pelas tragédias que vêm ocupando o noticiário. "O ser humano pode agir emocionalmente e ter o desejo de descarregar uma arma na cabeça de quem pratica certas barbaridades. Mas o Estado não pode agir assim", defendeu.Para ele, é preciso oferecer oportunidades para a juventude do País. "A sociedade tem mais jovens interessados em crescer com honestidade do que jovens como aqueles que arrastaram uma criança", disse, numa referência ao assassinato brutal do menino João Hélio, no Rio. "É claro que há jovens desgarrados, no caminho da perdição, mas há muita gente pobre e bem encaminhada."



Bem, começo recomendando ao "ser humano" que não siga o presidente — aliás, Renato Janine Ribeiro, acho eu, endossaria frase tão límpida. Lula é mestre em dar exemplos contra a sua própria tese. Alguém questiona que a maioria dos pobres é constituída de honestos? É justamente por isso que qualquer conversa sobre as origens sociais da violência é mero cacoete.



Responsabilidade social - A iniciativa privada, segundo Lula, precisa assumir a responsabilidade de oferecer oportunidades à juventude e contribuir para reduzir a criminalidade. "O que custa para a Volkswagen, por exemplo, contratar 50 jovens? O que custa para o Grupo Gerdau contratar dez jovens em cada uma de suas unidades? Nada", afirmou, ressaltando que seu objetivo é incutir uma idéia na cabeça dos empresários: "Eu também tenho responsabilidade, eu também posso ajudar."



Bobagem! Fosse outro a dizê-lo, a esquerda de plantão compareceria ao debate para dizer que Lula está propondo a privatização dos pobres. À moda do "Adote um Atleta", criemos a campanha "Adote um pobre". No que a responsabilidade pelos atos humanos depende de outros — e só depende em parte —, precisamos é de políticas públicas. E de leis que combatam a impunidade. Aquele assassino dos três franceses foi adotado pela ONG, não é? Não lhe faltou oportunidade, faltou-lhe uma moral. É verdade. Esta se forma num determinado ambiente. O ambiente, no Brasil, estimula a transferência de responsabilidades. Vocês duvidam que o bandido que matou seus protetores alegará em seu favor a infância sofrida?



Reforma tributária - Segurança pública e educação, de acordo com Lula, serão os temas principais do encontro que ele terá com governadores na próxima terça-feira. O presidente reconheceu, porém, que não deixará de falar sobre a reforma tributária.Para ele, o mais importante nessa área é estabelecer mudanças nas regras do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o principal tributo estadual. "Reforma tributária é como combate à fome: todo mundo fala dela, mas quase ninguém faz. Nesse caso, a parte dos governos estaduais ainda não foi feita", disse. "Não é possível pensar apenas no que cada Estado vai perder ou ganhar. Se o Brasil ganhar, todos os Estados vão ganhar."



A comparação é uma tolice sem par. O que o governo quer na área é recolher o ICMS no Estado de destino. Em tese, é para acabar com a guerra fiscal. De fato, é para promover uma guerra entre os Estados mais pobres da federação e os mais ricos (como São Paulo e Minas). Não seria uma alteração imediata, mas as divisões já se dariam agora. O tema não tem força de mobilização popular porque as pessoas não sabem como os impostos mexem com suas vidas. Mas pode abrir uma guerra entre as lideranças políticas. A coisa ficaria assim: São Paulo, por exemplo, continuaria a produzir, a atrair mão-de-obra de outros Estados, o que mexe, por exemplo, com demandas na área de saúde, educação e moradia, e depois transferiria impostos para, como direi?, o Brasil que tem frente pro mar.



Produção de biocombustíveis - Lula apontou como prioridade nas relações com os Estados Unidos a parceria para a produção de biocombustíveis e confirmou que esse será o ponto central do encontro que terá na semana que vem com o presidente dos EUA, George W. Bush. "Está provado que o mundo não precisa ficar dependente do petróleo", afirmou.Para tanto, o presidente considera que a Petrobras deve ter papel primordial na construção de um mercado global de etanol. "A Petrobras vai ter que entrar nisso. Precisamos ter um mecanismo regulador para garantir o abastecimento", disse. "Não é possível, por exemplo, fechar um acordo com o Japão e faltar etanol nos postos japoneses porque não houve produção."



Está provado coisa nenhuma. Essa é uma realidade a ser construída. O etanol precisa ser uma alternativa. Ainda não é. E reitero o que já escrevi: o Brasil precisa é tomar cuidado para não cair numa espécie de novo ciclo da monocultura.



Relação com os EUA - Os Estados Unidos foram apontados por Lula como um parceiro estratégico. Para ele, o momento é favorável a isso. "Os EUA cometeram o erro histórico de, durante muito tempo, não darem atenção à América Latina", afirmou."E o Brasil cometeu o erro de ser subserviente durante décadas. Nenhum interlocutor respeita a subserviência." Agora, segundo o presidente, o País está pronto para aprender com os Estados Unidos, mas também para ensinar.


Essa subserviência é uma acusação tola, um delírio. Quando o Brasil foi subserviente? Teria sido quando fez o acordo nuclear com a Alemanha? Quando fez os acordos com o FMI? Ou quando antecipou o pagamento o Fundo? Ou quando elevou o superávit primário além do que era cobrado por essa instituição tida até então como macabra pelo petismo? Esse discurso é uma banalidade, uma besteira. A despeito do formidável crescimento da economia americana, o Brasil responde há dez anos por 1,4% das importações daquele país, como bem lembrou Roberto Abdenur, ex-embaixador brasileiro em Washington. Como escrevi abaixo, o resultado espetacular balança comercial brasileira decorre da valorização formidável das commodities, não da elevação substancial das exportações.
O que impressiona é que ainda hoje se diga algo parecido.